O aborto afeta seriamente a saúde da mulher. Complicações pós-aborto provocado: fatores associados

116 views 17:55 0 Comments 5 de junho de 2023

Aborto, em seu conceito jurídico-penal, “é a interrupção voluntária da gravidez, com a morte do produto da concepção”‘ Etimologicamente, o ato de abortar é chamado de abortamento. Aborto é o resultado do abortamento, o produto morto, Juridicamente, todavia, deu-se o nomen juris de aborto à conduta abortiva.

Não há, na medicina, um conceito único para o aborto. Para a obstetrícia, aborto é a interrupção da gravidez até a 21ª semana de gestação. Se a interrupção ocorre entre a 22ª e a 28ª semanas de gravidez, há o que se chama de parto imaturo, Daí até a 37ª semana, há o parto prematuro. Ou seja, para a obstetrícia, só há aborto na inviabilidade da vida extrauterina.  O conceito médico-legal, entretanto, não faz distinção entre aborto, parto imaturo e parto prematuro, bastando que haja a extinção do concepto antes do inicio do parto para o reconhecimento do aborto.

E desse conceito que se servirá o direito penal.  O aborto pode ser natural, acidental ou provocado. Natural ou espontâneo, quando ocorre pela inviabilidade natural do produto da concepção (anomalias no espermatozoide, vícios de posição, alterações endometriais etc.). Acidental, quando decorrente de um trauma não desejado, Provocado, quando há a vontade de abortar e o abortamento não acontece natural ou acidentalmente. Somente o aborto provocado merecerá a atenção de direito penal, podendo ser subdividido em criminoso e legal (ou permitido), como será estudado mais à frente.

O aborto acidental é um indiferente penal, já que não há a previsão da interrupção culposa da gravidez (salvo no caso específico da lesão corporal seguida de aborto – artigo 129, $ 2°, V -, em que o trauma é voluntário, mas o aborto, embora previsível, não é desejado).

A incriminação do aborto, historicamente, teve marcada influência filosófica, teológica e moral, recebendo os mais diversos tratamentos, Assim, passou-se por todos os extremos em matéria de repressão, sendo ele sucessiva ou concomitantemente liberado ou punido, duramente castigado, inclusive coma morte, ou castigado de forma mitigada”.

Na antiguidade clássica, não se punia o aborto, pois o produto da concepção era considerado parte integrante do corpo materno, podendo a gestante livremente dele dispor, ainda que, na Grécia, Hipócrates tenha se insurgido contra o fato (“a nenhuma mulher darei substância abortiva”). Foi com o cristianismo que a punição do aborto se disseminou, embora se defendesse, conforme lecionava Santo Agostinho, que só haveria crime quando o concepto fosse dotado de alma (de 40 a 80 dias após a fecundação).

No Brasil, o Código Penal do Império (1830) não punia o autoaborto, que começou a ser sancionado com o Código Penal de 1890, Hodiernamente, há legislações que são mais severas no tratamento do aborto, permitindo o ato somente em situações extremas (Código Penal brasileiro, v.g.) e outras mais liberais, permitindo que a gestante opte por interromper ou não a gravidez, “Há quem discorde da colocação do crime de aborto no rol dos crimes contra a pessoa, mais especificamente dentre os crimes contra a vida. Para fins penais, é induvidoso que houve a adoção do conceito biológico de vida, o que não causa espanto, pois, em inúmeras situações, os conceitos penais são diversos daqueles esposados pelo direito civil (como no caso da definição de bem móvel, a ser estudada no crime de furto), não incorrendo o legislador em equivoco.

O homicídio, a titulo de exemplo, crime contra a vida por excelência e indiscutivelmente crime contra a pessoa, não depende do nascimento com vida para ocorrer, bastando que haja o inicio de parto. Aliás, sobre o tema, manifestou-se com a habitual clareza Hungria: “O Código classifica o aborto entre os crimes contra a vida, que são uma subclasse dos crimes contra a pessoa. E um critério acertado. Não se pode negar que o feto seja, pelo menos, uma spes personae“.

Se o feto no útero vive, e não nos interessa definir fisiologicamente a índole de tal vida, pois não é possível que o feto esteja ali dentro como um corpo morto”. Perceba-se que não se está aqui a discutir se o nascituro é ou não uma pessoa, tema sobre o qual há posições diversas. Mas apenas o fato de nele se reconhecer a existência de vida já é suficiente para o acerto da posição topológica dessa categoria de delitos.

O Código Penal pátrio cuidou do aborto nos artigos 124 a 128, arrolando as hipóteses de aborto criminoso e permitido da seguinte forma:
(a) Aborto criminoso – artigos I24 a 127: a.1, autoaborto (artigo 124, 1ª parte); a,2, aborto consentido (ou consentimento para o aborto – artigo 124, 2ª parte); a. 3, aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante(artigo 125); a.4, aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante (artigo 126); a.5. causas especiais de aumento de pena (artigo 127).

(b) Aborto permitido – artigo I28: b.1, aborto terapêutico ou necessário(artigo 128, I); b.2 aborto sentimental ou humanitário (artigo 128, II). Não se mencionou nessa classificação o caso do teto anencefálico porque não é uma hipótese expressamente prevista no CP e, além disso, decidiu o STF que sequer é uma situação de aborto, mas de interrupção terapêutica da gravidez por inexistir vida no produto da concepção (ADPF n° 54).

Tutela-se a vida humana intrauterina ou dependente, ou seja, a vida da pessoa cujo parto ainda não se iniciou. Como já visto, a provocação da morte do nascente (isto é, a morte da pessoa que já começou a nascer) ou do recém–nascido acarreta em punição por crime de homicídio ou infanticídio. Sendo certo que a vida intrauterina termina com o início do parto (dilatação do colo de útero ou rotura do saco amniótico, dependendo da tese es posada), é mister a determinação do momento em que ela se inicia. Sobre o tema, encontramos várias teorias, a saber: (a) Teoria da concepção (critério celular ou visão genética) – para os partidários desta teoria, a vida se inicia com a fecundação (fusão entre o espermatozoide e o óvulo, formando o zigoto), ocasião em que se originam ser dotado de características genéticas próprias.“

Dentro desta teoria, encontramos duas subteses: a.1 – tese da singamia, para a qual basta que o gameta masculino penetre no óvulo, momento em que irreversivelmente acontece a criação de um novo indivíduo; a.2 – tese da cariogamia, que exige a fusão dos pronúcleos dos gametas (12 a 24 horas depois da fertilização) e o consequente inicio de suas mitoses, Deve ser ressaltado que somente depois da fusão dos pronúcleos haverá a junção entre os cromossomos transportados pelo espermatozoide e aqueles armazenados pelo óvulo, surgindo o genoma humano.

O Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), do qual o Brasil é signatário e que produz regulares efeitos em nosso sistema jurídico desde 1992 (Decreto n° 678/1992), em seu artigo 4°, I, fala que a vida deve ser protegida desde a concepção. Ou seja, a fecundação seria vista pelo tratado como o termo inicial da vida intrauterina. Hoje, discute-se se os tratados internacionais sobre direitos humanos aprovados antes da EC n° 45/2004 têm posição hierárquica supralegal ou constitucional no ordenamento jurídico interno.

Sufragando a primeira posição, temos o voto do Min. Gilmar Mendes no RE n° 466 343/SP; defendendo a segunda, o voto do Min. Celso de Mello no HC n°87.585-8/TO. Todavia, independentemente do status da convenção, ela pode versar sobre matéria penal. Marla Patricia Vanzolini, apesar de referendar a teoria da concepção, com muita propriedade afirma que o Pacto de São José não serve para estancar a celeuma. Isso porque o seu artigo 4° fala que a proteção à vida, em geral, se dá desde o momento da concepção. Essa expressão (“em geral”) significa que outros critérios podem ser adotados em casos específicos. Interessa assinalar o voto do Min. Carlos Ayres Britto (STF), proferido quando do julgamento da ADI n° 3510/DF (que decidiu pela constitucionalidade das pesquisas com células-tronco), ao afirmar que “o início da vida humana só pode coincidir com o preciso instante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozoide masculino, Entretanto, o Ministro vinculou o reconhecimento da existência de vida legalmente protegida à implantação do concepto no útero materno (assim, em caso de concepção natural, o inicio da vida – legalmente tutelada – se dá coma fecundação; se o óvulo é fecundado em laboratório, com a sua efetiva implantação.

b) Teoria da nidação (do pré-embrião, ou embriológica, ou da individualização) – nidação (ou nidificação) é o processo de fixação do zigoto na mucosa do útero, através de sua cobertura pelas células do endométrio. É a partir deste momento que começam a se desenvolver as estruturas embrionárias, tais como placenta, saco amniótico e cordão umbilical. A nidação se completa por volta do 14° dia de gestação e, desde então, não há mais a possibilidade de desenvolvimento de gêmeos monozigóticos, também é nessa época que ocorre o surgimento do primeiro tecido nervoso, o que, para os defensores da teoria, entre os quais nos incluímos, caracteriza a individualização da vida. Maria Patrícia Vanzolini critica essa posição, afirmando que ela se vale muito mais de argumentos de politica criminal do que científicos, de acordo com a autora, a teoria da nidação resolve problemas práticos, tais como o tratamento dado aos embriões fecundados in vitro e o uso de contraceptivos que atuam após a fecundação, como a pílula do dia seguinte e somente por isso alcançou a sua difusão atual.

Podemos pensar que se trata de uma visão estreita sobre a ciência, que admite nuances além do apego ferrenho à concepção, frise-se que o conceito de vida é muito mais metafisico- e portanto, filosófico – do que cientifico, de modo que taxar a teoria da nidação como anticientífica é colocar concepções morais como verdades científicas, o que é um equivoco, com a concepção há o começo de processos biológicos que alguns identificarão como o surgimento da vida; outros não, mormente aqueles que traçam um paralelo entre vida e individualidade, saliente-se, nessa esteira, que nem todo processo biológico tem aptidão para gerar um individuo, como ocorre na gravidez anembrionária, em que há a concepção e o inicio da divisão celular, que não culminam, no entanto, no surgimento de um individuo, pois não há desenvolvimento embrionário (gera apenas um saco gestacional vazio).

(c) Teoria fenotipica – somente há vida a partir do momento em que o concepto adquire aparência humana, o que coincide com a formação rudimentar dos órgãos, dando-se por volta da 6° semana de gestação. Tal tese carece de embasamento, pois não é o fenótipo que confere o atributo da humanidade a alguém.

(d) Teoria da atividade encefálica (ou neurológica) – a vida tem inicio como registro de ondas eletroencefalográficas (tronco cerebral).
O raciocínio parte de uma premissa simples: se a morte é caracterizada pela ausência de atividade encefálica, é também esta atividade que deve caracterizara vida. Bruno Gilaberte discorda desta teoria, pois na morte encefálica, não há mais viabilidade de recuperação autônoma do suporte vital, isto é, chega-se a um ponto de não retorno; no embrião, ainda que a atividade encefálica não exista, ela irá se desenvolver. Nas palavras de Maria Patrícia Vanzolini: “A morte cerebral marca o momento da morte do individuo porque indica o fim de toda a vida de relação, não só com o mundo externo, mas também com o próprio corpo, fase terminal de um processo vital dinâmico, ao qual se segue a lenta desintegração do individuo. A situação do embrião em desenvolvimento é completamente distinta. Aqui se dá uma intensa vida de relação entre as células, tecidos e órgãos, mantida por uma contínua, intensa e coordenada geração de células nervosas. Está portanto claro que no embrião em formação a atividade encefálica, embora não operante, irá logo desenvolver-se, motivo pelo qual a situação na qual se encontra em nada pode ser igualada à morte“

(e) Teoria ecológica – é marcada pela viabilidade de vida extrauterina, oque ocorre por volta da 20ª semana. Foi a teoria adotada pela Suprema Corte estadunidense, no julgamento do caso Roe vs. Wade (1973), em que se assentou que a proteção jurídica só era oferecida aos fetos entre24 e 28 semanas de gestação. Antes disso, haveria somente o interesse de sustentar a saúde materna, inclusive através da prática abortiva, se necessário.

De acordo com George Marmelstein: “No referido caso, a Suprema Corte norte-americana autorizou, por 7 votos a 2, a prática do aborto que não coloque em risco a vida da mulher; Basicamente ficou decidido que: (1) os Estados possuem interesses legítimos em assegurar que a prática de aborto não coloque me risco a vida da mulher; (2) o direito à privacidade abrange o direito de a mulher decidir se interrompe ou não a gravidez; (3) o direito de interromper a gravidez não é absoluto, podendo ser limitado pelos interesses legítimos do Estado em manter padrões médicos apropriados e em proteger a vida humana em potencial; (4) o embrião não está incluído na definição de ‘pessoa; tal como usada na Décima Quarta Emenda; (5) antes do fim do primeiro trimestre da gravidez, o Estado não pode interferir na decisão de abortar ou não; (6) ao fim do primeiro trimestre até o período de tempo em que o teto se tornar viável, o Estado pode regular o procedimento do aborto somente se tal regulação se relacionar à vida ou da saúde da mie; (7) a partir do momento em que o feto se tornar viável, o Estado pode proibir o aborto completamente, a não ser naqueles casos em que seja necessário preservar a vida ou a saúde da mãe“. Posteriormente a este julgamento, tendências mais conservadoras levaram a Suprema Corte a buscar restringir as hipóteses de aborto (por exemplo, caso Webster vs. Missouri Reproduction Services, em que se reconheceu a constitucionalidade de uma lei que impedia a prática de abortos em instalações públicas; e caso Planned Parenthood vs Casey, em que passou-se a admitir a proibição do aborto antes do terceiro trimestre, desde que demonstrada a viabilidade da vida independente.

Os críticos desta posição sustentam que sua aplicação é assaz dependente dos recursos médicos e hospitalares disponíveis, pecando pela excessiva indeterminação. Além dos entendimentos expostos, existem outros menos cotados, por exemplo; teoria metabólica (não existe um momento inicial da vida, pois mesmo os gametas – espermatozoide e óvulo – podem ser considerados vivos), teoria cardíaca (defende que a vida se inicia quando principiam os batimentos do coração); teoria da senciência (só há vida quando o concepto reage a estímulos de dor e pressão); teoria da animação (a vida surge quando os movimentos fetais são percebidos pela mãe); teoria da natividade (a vida começa com o nascimento, pois o nascituro é parte do organismo materno): e teoria do “sermoral° (só há vida quando a criança desenvolve uma linguagem para comunicaras suas vontades), entre outras. Não há crime de aborto na interrupção da gravidez extrauterina e da gravidez molar. No primeiro caso, também conhecido por gravidez ectópica, a gravidez se desenvolve fora da cavidade uterina; com a instalação do concepto nas porções ampolar, istimica ou tubariana, ou no ovário, ou no abdômen. Nesses casos, não há condições para o desenvolvimento da vida, não ocorrendo o crime de aborto na intervenção cirúrgica para a remoção do embrião. A gravidez molar é “a degeneração vascular ou hidática do ovo”.

Há a presença da mola hidatiforme, um ovo inviável formado pelo embrião e pelo trofoblasto, que não chega a constituir um ser vivente. Não havendo vida, a remoção da mola não constitui crime de aborto. Como já dito, também não há aborto na gravidez anembrionária ou anembrionada. Além da vida do nascituro, nos crimes de aborto provocado por terceiro com ou sem o consentimento da vítima, também são tuteladas vida, integridade corporal e saúde da gestante. Aliás, essa proteção à gestante fica bem clara nas hipóteses de aborto permitido. Não há a tutela, entretanto, no autoaborto e no consentimento para o aborto, pois o direito penal pátrio não pune a autolesão. O objeto material do aborto é, em regra, o nascituro. Excepcionalmente, a gestante.

O aborto é um tema complexo e controverso que envolve questões médicas, éticas, sociais e legais. Existem diversas opiniões e perspectivas sobre o aborto e seus impactos nas mulheres. Alguns dos problemas relacionados ao aborto incluem:

  1. Acesso limitado: Em muitos lugares ao redor do mundo, o acesso ao aborto seguro e legal ainda é restrito. Isso pode levar as mulheres a buscarem métodos inseguros e clandestinos, colocando em risco sua saúde e vida.
  2. Riscos à saúde: O aborto realizado em condições não seguras ou por pessoas sem qualificação médica pode levar a complicações graves e até mesmo à morte. Quando as mulheres não têm acesso ao aborto legal, elas correm um maior risco de sofrer danos à saúde.
  3. Estigma social: O aborto muitas vezes é cercado por estigma e julgamento social. Mulheres que escolhem fazer um aborto podem enfrentar discriminação, isolamento e rejeição de suas comunidades, amigos e familiares.
  4. Impacto emocional: O aborto pode ser uma decisão emocionalmente difícil para as mulheres. Algumas podem experimentar sentimentos de tristeza, culpa, arrependimento ou luto após o procedimento. O suporte emocional adequado é fundamental para ajudar as mulheres a lidarem com essas emoções.
  5. Barreiras legais: Em países onde o aborto é ilegal ou restrito, as mulheres podem enfrentar criminalização e punições legais por procurarem um aborto. Isso pode levar à insegurança jurídica e impedir que as mulheres busquem cuidados médicos adequados.

É importante lembrar que as experiências e consequências do aborto variam de mulher para mulher. Além disso, as opiniões sobre o tema são diversas e podem ser influenciadas por fatores culturais, religiosos e pessoais. É fundamental garantir o acesso a informações precisas sobre saúde reprodutiva e oferecer apoio e opções seguras para as mulheres, independentemente de suas escolhas.

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